Saturday, November 25, 2006


12. Crónica

Estive casada quarenta anos e nunca tive prazer nenhum.

Alberto era um bom homem, sempre me tratou com carinho e afecto. Mas era outra geração, pouco dedicada aos prazeres femininos na cama.
O primeiro pénis que vi foi o de Alberto, e com ele me casei. Tivémos três filhos, única obra de Deus socialmente relacionável com aquilo que fazíamos debaixo dos lençóis na intimidade da nossa casa.
Alberto era um bom homem, honesto e trabalhador. Pouco dado a palavras e com algumas demonstrações de carinho, lá nos fomos entendendo pela vida.
Às quintas-feiras ia sempre jogar canasta com os amigos, e quando regressava a casa tocado do whisky tocava-me a mim cumprir o meu dever de boa esposa. Recordo que um dia não me apetecia, nunca gostei dos horários e do seu cheiro de álcool, mas Alberto não esteve com coisas e montou-me na mesma. Era a minha obrigação, ao fim ao cabo; ser a porta que o levava ao prazer.
Mesmo após todos aqueles anos comuns, Alberto sempre sentiu repugnância da minha menstruação. Do meu peito, gostava muito, assim como da minha parte de trás. Mas tudo o que fosse para além da neutralidade do sexo mais higiénico, a Alberto assustava.
Uma vez, nos anos setenta, pedi-lhe para me tocar. Com os dedos, como ouvi dizer que se fazia na altura. Alberto perguntou, “Para quê?”. Não lhe soube responder, tive vergonha.

Eu às vezes tocava-me. Foi só ao fim de alguns anos de casamento que descobri essas coisas que por lá existem. Na época em que Alberto esteve para fora – houve uma altura em que viajava muito, ele era muito trabalhador – às vezes vestia-me de rendas e punha colares e olhava-me achando-me bonita ao espelho. Queria tocar-me a olhar-me no reflexo, mas tinha vergonha e corava da minha ousadia, assim que me vestia e ia tratar da lida da casa antes de ir para o emprego na faculdade.

Uma vez a sair de uma aula cruzei-me com um outro professor. Ele estava muito triste e era muito esquisito, dizia-se que gostava de homens o que à época era um escândalo, não ser casado com aquela idade. Convidou-me para um chá, não era bem privar com um homem daqueles bonito e assim, mas desculpei-me a pensar que os homens maricas são como mulheres, e lá fomos as duas para o gabinete dele.
Efectivamente ele não se interessava por mulheres, tanto que me desabafou o motivo da sua tristeza, os problemas que tinha tido com o seu último parceiro. Tentei consolá-lo, anoiteceu e fomos jantar, foi muito bom e ele era muito bonito. Eu ganhei coragem para lhe perguntar da sua homossexualidade com o vinho que já levava, ele foi muito sincero e lá me explicou algumas coisas que me fizeram estremecer, e eu nunca me tinha sentido assim a tremer com uma energia esquisita e nova.

Durante algumas semanas não o voltei a ver. Passei esse tempo a relembrar como os seus olhos faiscavam enquanto falava das línguas e dos sexos e do prazer que era, quase que ganhei vontade de ser também homem para ter um prazer assim como ele contou.
Houve um dia uma festa em que o reencontrei. Ele pareceu-me um bocado tocado, a fala arrastava-se-lhe lânguidamente enquanto me passava um copo de champanhe para as mãos. Conversámos muito e passeámos pelo jardim, numa cumplicidade crescente cada vez mais próxima. Comecei a sentir as bolhinhas do champanhe a deslizarem por mim abaixo naquele encontrão que ele me deu sem querer e que me molhou todo o vestido de seda. Ele, bêbado, tentou limpar-me o vestido com um lenço, inutilmente enquanto o meu mamilo surgia no transparente e cada vez mais champanhe ensopava a minha roupa. Não percebi então se ele decidiu explorar o meu prazer ou se mais movido pela curiosidade de formas diferentes, mas certo é que continuou a tentar limpar-me o vestido com calma redobrada e eu não o enxotei enquanto a mão me descia pelo baixo ventre e me tocou num sítio que eu mais ou menos desconhecia e me deu um estremecimento como eu nunca tinha sentido. Pouco tempo depois houve um estremecimento também num arbusto e logo o meu marido apareceu, bêbado que nem um cacho, desconfiado mas não muito porque ao fim ao cabo o outro gostava era homens e eu era propriedade sua na minha íntegra.

Fomos para casa e eu a arder, felizmente o Alberto adormeceu que nem um anjinho no sofá e nem teve tempo de perceber o fogo que por ali me queimava. Nos dias seguintes achou-me estranha, nas semanas seguintes cansou-se das minhas exigências e pedidos de toques e passou a trabalhar cada vez mais, metia-lhe nojo que eu pudesse querer ter prazer e ao fim de uns meses e sem os filhos em casa acabou por pedir o divórcio e me trocar por uma espanhola que faz tudo o que ele quer e não pede nada em troca, como bem manda a tradição.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Lindo! (O meu marido acha que isto não é comentário suficiente, mas eu fiquei mesmo sem palavras.)

5:48 PM  

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