Tuesday, July 10, 2007

30. Crónica

Durante muitos anos julguei que as mulheres eram de natureza romântica, que queriam flores, mimos e muita atenção, que se iludiam com palavras, com demonstrações de afecto e que lhes tocava a sensibilidade de um homem. “As mãos do Rui são ternas, os olhos meigos e a pele serena!”

Achava inclusive que os presentes (jóias, flores, moulinexes, máquinas de café e lap-tops, idas ao cinema, jantares, viagens, idas ao teatro e bilhetes para os white stripes) nos ajudavam a ficar mais vulneráveis, mais dispostas e até mais excitadas.
E achava que isto acontecia com todas as mulheres e que estas, por serem de uma natureza mais sensível, precisavam de muitos rodeios para serem levadas para o quarto e embrulhadas em lençóis. “Nem sei como te agradecer, és muito atencioso, és um querido!”

Sentia-me confiante nos meus pensamentos por achar que seríamos diferentes desses brutamontes que são os homens. Afinal nós mulheres, corámos, choramos, sofremos, gememos, damos gritinhos, damos saltinhos e fazemos xixi sentadinhas, e para mim só fazia sentido que uma mulher fosse muito abraçada antes de lhe enfiarem o dedo. “Ele mexeu-me nos cabelos e massajou-me os pés durante toda a noite”

Culpava a biologia da mulher. Ou culpava a do homem, já nem me lembro bem, mas sei que culpava a Natureza. Porque afinal o prazer estava assegurado num homem e na mulher não. As mulheres procuravam num deserto sem fim um jarro com água. E uma vez por outra, encontravam-no. Cheguei a comentar este meu delírio com algumas amigas próximas e de lhes dizer “meninas, o sexo da mulher está algures no cérebro! Massajem-no bem!”.

Chegou a altura de deixar a Natureza em paz e nos responsabilizar-nos por tudo isto. Hoje era capaz de dizer: “meninas, se têm um corpo explorem-no!”. Se cada mulher explorasse dignamente o seu corpo com toda a atenção que este merece, tal como o homem faz com o seu bergalho, rapidamente perceberiam que basta acertar em cheio (é preciso prática, é certo) e que chegam lá, sem música, sem velas, sem lágrimas, sem calores, sem choro, sem gemido, sem romance, sem nada! (ou com tudo isto, mas sem ser realmente necessário!). O que sobra então? O mais importante, uma partilha sem mais (+) nem menos (-), uma partilha de igualdades (=) em que cada um procura e consegue o que deseja.

Penso que está na altura de retirarmos dos ombros o peso do que um homem “tem de ser” e do que a mulher “deve ser”, os papéis de cada um na sociedade em que vivemos podem mudar se quisermos que isso aconteça. Um bom começo é incentivar e permitir que mude a cultura (e a educação) que nos pertence.

As fantasias, essas linhas escritas ou essas imagens, fazem parte dessa mesma cultura, que nos servem a ambos, homens e mulheres, acima de tudo para nos educar a conhecer-nos melhor e ajudar-nos a explorar a nossa imaginação sexual e expandi-la. A constituição de um bom reportório de fantasias (ou crónicas, como este) serve para cruzarmos experiências e projecções que só nos podem enriquecer. Novas fantasias, palavras e imagens, podem mudar-nos!

Não recuso que nós, mulheres, temos uma sensibilidade própria (e uma sexualidade), mas essa não é menos em nada em comparação com outra qualquer! E conquistar um campo, uma autonomia, uma expressão própria da nossa sexualidade torna-nos mais fortes, logo menos vulneráveis, menos devedoras e submissas da sexualidade (a masculina) dominante.

No final, podemos sempre ir para casa enfiarmo-nos numa cama de cetim rosa e receber flores e encher-nos de bugigangas horrendas e bombons de licor oferecidos pelos companheiros, mas nunca mais vamos acreditar que somos umas sentimentais que não vão numa aventura de sexo fácil - puramente física - da noite para o dia, que não fazem uso do vibrador e que não “batem uma” logo ao acordar, ou ainda alguém está convencido que entre amor e sexo não há diferenças?


Poderei parecer um pouco fria (até ingénua) nas minhas considerações relativas à sexualidade, mas honestamente, é mesmo necessário ser-se prático nestas coisas. Sou uma romântica consciente, que escreve fantasias mas que sabe que as ilusões da treta não nos levam a lado nenhum. É inacreditável o que se lê nas revistas para mulheres. Ensinam-nos a dar prazer a um homem em formato de teste (“responda, marque os ponto e conheça a sua habilidade para fazer o seu companheiro feliz!”) ou em crónicas mal intencionadas que ensinam tudo menos sexo (e muitas vezes pouco seguro!), que roçam o assunto da sedução e a preparar banhos quentes e perfumados, mas que deixam a questão central totalmente de parte.

No final é este título na capa que vende a revista e é isto que se vai lendo nos comboios em viagens de longa duração. Mas o que acontece de facto – pela minha experiência e pela partilha de informação com conhecidos e amigos que trabalham nesta área ao nível da educação e da investigação – os rapazes (os mais jovens principalmente que são mais ousados) não perdem uma oportunidade para perguntar o que faz uma mulher ter prazer! Ora bem, andamo-nos a iludir uns aos outros e a baralhar esta história toda.

Por vezes penso se os papéis que nos estão reservados fazem parte de uma fantasia de alguém posta em prática! Pode parecer descabido, mas porque razão ainda assumimos características ou determinados traços quando já todos sabemos que este teatro não faz sentido.

Para terminar, é cansativo falarmos numa sexualidade em que os protagonistas são a mamã e o papá, este e aquela, e esta parelha ser ainda objecto de análise, mas se o é, é porque ainda é neste modelo que vivemos e nos orientamos. De facto existem dois sexos dominantes, mas na sua função e utilização prática, mesmo simbólica, podem ser invertidos, trocados, acrescentados, manipulados e até colados.

As fantasias (no formato que se desejar) permitem que a procura da sexualidade de cada um – as suas nuances, os seus limites, a exploração dos seus segredos e desejos mais ocultos - seja uma experiência em si bastante satisfatória de auto-conhecimento e de crescimento individual. Isto porque, antes de sermos dois (3, 4, 5...), somos um!

INÍCIO DA SEGUNDA TEMPORADA EM BREVE!

Sunday, July 01, 2007


29. Crónica

Não havia nada que ela pudesse fazer que parecesse certo, e sem intenção de nada ela tomou um caminho que a outros lhes pareceu errado. Havia uma confusão de coisas que pareciam estar mal, ou não pareceriam nada se não se desse o caso de serem vistas à luz de uma auto-análise profunda que demasiadas vezes tomava um contorno cruel; sem, contudo, se poder algum dia confirmar a veracidade dos factos pensados, perante a ausência de medidas fixas e métodos científicos apropriados.

Fria e viva precisou procurar algo que lhe aquecesse a alma. Fria porque analista, e com receio que a ebulição de sentimentos lhe saltasse pelos poros, conduziu-os pelo meio das pernas. Parecia talvez mais apropriado, a emoção ser canalizada para aí, para esse sítio onde se pode livremente gemer, gritar, arranhar, dizer obscenidades, agir de forma estranha naquilo que parece uma libertação das normas comportamentais vigentes.

Sobranceira e com vontade de transgredir, encaminhou-se hipnotizada para a loja, onde entre a vergonha e o desencontro com mais seis amigas escolheram toda uma miríade de objectos de prazer. A Casa de Eros vendia possibilidades de sexo, e era isso que elas procuravam. Entre risinhos e vergonhas que já não cabem no corpo de uma mulher, saíram da loja e carregaram o carro em direcção ao campo.

Mais tarde contou-me como foi. Era uma mansão em ruínas, restaurada, ocupada e limpa. Fizeram um pic-nic com muita gente que se prolongou pela tarde, e depois pela noite, onde saltitaram pelos bosques como faunos sem pudor nem pecado. Brincaram às identidades, aos polícias e ladrões, com algemas e pistolas de água. Era simples e belo como uma brincadeira infantil, apesar de quando éramos pequenos compreendermos o princípio do prazer, mas ninguém nos ter falado do sexo propriamente dito. Havia tecidos velados, almofadas de seda que lhes acariciavam as peles em todas as direcções e lhes aliviavam o cansaço da semana de trabalho, das obrigações sociais, um escape enfim daquilo que se sentiam frequentemente obrigadas a ser. Numa reinvenção deliciada, libertaram-se para aquilo que queriam, mas normalmente não podiam. Saltitando por fora da norma, ou daquilo que lhes desenhavam como obrigatoriedade; trocaram também estórias e confidências, desejos e levezas próprias do exercício das liberdades quando bem usufruídas. Sem explicações ou juízos de valor, despiram-se daquilo que eram e vestiram a pele do que queriam ser, com rendas e vendas sobre a pele arrepiada, deixando-se estar sem vontade de ir a mais lado nenhum.
Ao despertar, fizeram um bolo de chocolate e comeram-no todo, num acto de cumplicidade íntima despojado de mistério. E passaram mais outro dia enroladas na erva, ninfas pálidas e desarranjadas a banharem-se na fonte, a nadarem desprevenidamente no lago, a tomarem banhos de sol entre dildos e lubrificantes, a colherem amoras e a esmagá-las nas peles outrora estranhas, agora demasiado familiares para se poderem imaginar à distância.

Quando ela me contou esta estória, também eu fiquei com vontade de comer amoras e esmagá-las, de ter sexo como se não houvesse amanhã, de trepar às árvores e delas não descer sem me afoguear de bochechas coradas e ar de renascimento. Assim, calcei as meias de liga, vesti a gabardina, e sem mais que botas de cabedal, um vibrador, óleo de massagem e lingerie comestível encaminhei-me para tua casa às 4 da manhã de uma sexta-feira santa, decidida a partilhar desejos e fantasias pela noite dentro.
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