Wednesday, February 28, 2007



23. Crónicas

Sou uma cabra.
Inicialmente era um incómodo que assim me chamassem – insulto de
insensibilidade cruel, revestida de conotação sexual. Agora, não.

Uma cabra, no fundo, é uma libertina sem apego. Uma mulher auto-
suficiente, que assusta os outros pelo poder que tem. Que se
responsabiliza por aquilo que quer, e pela forma como o obtém.
Improvavelmente conquistável - as pessoas não são terras
desconhecidas onde se espeta uma bandeira e se grita “é minha!”. Não,
não sou de ninguém, apenas de mim própria. Não há posses
sentimentais, apenas corpos efémeros que estão ali porque querem. Não
obrigo ninguém, não violento ninguém. Cada um que esteja por si.

Também já me chamaram ninfomaníaca – que mais pode ser uma mulher que claramente procura o prazer? Uma insasiável, eterna disfuncional, se fosse normal seguramente já teria encontrado algum macho que lhe
desse tudo aquilo que ela precisa, a saber: uma boa pila e o
reconforto de ser útil para ele. De “servir”.

Seduzo como qualquer pessoa com libido e sem medo de ir até ao fim.
Não prometo nada, jogo às claras com o objectivo de bom sexo, de uma
boa experiência. Só. Já me acusaram de fazer com que se apaixonassem por mim, mas quem no seu perfeito juízo se apaixona por um palminho de cara e dois palmos de boas pernas com uma rata no meio? O amor não é um sentimento que
nos cresce pelo aspecto visual e pelo cheiro, sem se saber bem de
onde. Isso é tesão, desejo. Para amar, é preciso existirem duas
pessoas e sentimentos de ambas as partes. Amor é sempre plural – e
nem eu falo de amor com os meus parceiros, nem me posso
responsabilizar pelos seus sentimentos alheios. Somos adultos, não há
razões para nos armarmos em inocentes enganados, até porque não há
enganos nem mentiras. It´s only sex.

Há homens que, com desdém, se fascinam pelo inatingível. Talvez vejam
nisso parte do meu charme, não sei. Nesses momentos, passo de cabra a
puta. Tanto me faz. Esses dificilmente terão qualquer hipótese de me
saltar em cima, se pretendo bom sexo gente egoísta estará no fim da
lista. Não sou um objecto masturbatório, nem um receptáculo de
esperma – sexo comigo é prazer para os dois lados. Ou nada feito.
Parte interessante do sexo é a partilha de prazer: estar entediada de
pernas abertas enquanto o outro se delicia não faz o meu género. Não
sou puta, não me pagam para isso. A moeda de troca não é dinheiro, é
prazer. Mais difícil, porque exige igualdade, e nem toda a gente a
isso se presta.
E se não prestam, mando-os embora; apetecendo-me, masturbo-me sozinha – pelo menos assim, tenho satisfação garantida.
Mas não pensem que a masturbação é um recurso secundário ao sexo a
dois: nada disso. É uma actividade alternativa, complementar ao meu
conforto. É um prazer diferente, insubstituível, privado. Uma outra
forma de intimidade, que me é essencial para o meu bem-estar enquanto
mulher.

Friday, February 09, 2007


22. Crónica

Em noites escuras, abro a janela e fico a olhar para os cabos de alta
tensão. Mas poucas são as noites que passo sozinha, no meio dos
afazeres sociais e encontros precários de trabalho. As minhas
preferidas são as de terça-feira, no club de chá onde jogamos bridge
e bebericamos chá inglês.

É um clube exclusivo de mulheres, onde por vezes nos vestimos de
homens. O chá é na realidade whisky e as cigarrilhas não raramente
encerram segredos.
O tecido das poltronas gasta-se ao sabor dos nossos desejos, enquanto
as cortinas grossas encerram essa particularidade social de gostarmos
muito de sexo e do acordo comum de não o reprimirmos entre aquelas
múltiplas paredes.
Aprecio a sensualidade fugaz dos corpos, de os beijar e sexualizar
sem nunca tocar profundamente nas almas. Quando corre bem, fica
apenas uma marca nas suas memórias, um leve ardor na pele, e é só.
Gosto de coisas simples e aprecio a candura do acto, daquele momento
de proximidade entre desconhecidos no qual subitamente se descobre
todo o humano inquieto que há no outro, um desconhecido que
identificamos como nós, numa espécie de irmandade oculta sem
quaisquer laivos de incesto.
Saboreio a entrega às mais diversas práticas, em busca do que sou -
dos meus limites, ou do prazer sem limites. Não vejo o sexo como uma
coisa porca, crónica, instinto primário negligenciado ou reprimido.
Não, nada disso – o sexo é belo em todos os seus defeitos, mesmo se
for rápido, disforme, e, sobretudo, saíndo da banalidade.

Não acredito em elevações cósmicas, mas se tal existisse, seria por
ventura através do sexo que lá chegaríamos. Porque é como dormir o
momento em que saímos de quem somos, não para um planisfério de
sonhos mas de concretizações, entrando na pele de quem nos acompanha
subtilmente pelos poros e transformando-nos no seu sangue, batimento
cardíaco e aceleração metabólica. O sexo é uma viagem pelas outras
pessoas, onde descobrimos semelhanças e afinidades, a matéria comum
de que somos compostos. No caso deste club, uma composição vulvular
variada e bela.

Temos diversas idades que nem sempre se adivinham pelas pregas dos
ossos. Algumas somos casadas, outras divorciadas, outras lésbicas
assumidas, e até meras curiosas nos vêem espreitar. Abrimos a nossa
experiência a todas as que nos querem ver, continuando invisíveis
perante todos os que preferem ignorar, que talvez sejam muitos: não
nos interessa.
Partilhamos-nos diversamente, em salas comuns de grandiosos tapetes
de veludo; ou em habitáculos privados, resguardados dos doces olhares
alheios. Não existem obrigações, ciúmes ou posses: a única obrigação
é o respeito mútuo, as máscaras que nos semicerram o rosto e que
colocamos à entrada, e o roupão de seda escuro que envergamos no
vestíbulo em troca das nossas roupas diárias. Despidas da nossa
identidade social externa, podemos assim usufruir-nos em pleno gozo
da nossa total liberdade feminina.

Saturday, February 03, 2007



21. Crónica

Costumo me masturbar algumas vezes, por semana, por dia, depende. Enfim, tenho na memória algumas cenas deste acto relatado em livros, por exemplo em Justine, de Lawrence Durrell, não a de Sade. A mulher que falo vivia em Alexandria, aquela cidade egípcia da qual se reconhece o incêndio de uma das maiores bibliotecas da humanidade. A cidade é fogo. Ela tinha um ar de auto-suficiência, era bela, vestia branco e chapéu. Todos os dias de manhã, sobre o sol que entrava pela persiana, aquele sol já morno que ameaça a noite, masturbava-se. Na cama, deixava o lençol e as almofadas serem seus cúmplices. Dava-lhes um jeito de forma anatómica para se entrelaçarem nas pernas, nas virilhas, e bicudos tocassem no clítoris. Era uma mulher sedutora, mas reservada, solitária e casada com um qualquer milionário.

Não sou se quer próxima dessa mulher. Não me masturbo de manhã, podia nomear uma preferência no dia, ao fim da tarde. É quando a luz começa a cair que o meu corpo me lembra que existe. Sinto a barriga quente, com uma breve sensação de prazer, e começo a pensar, muito intuitivamente e dependendo de onde estiver, como me vou saciar. Procuro sempre alguma coisa na qual me possa deitar. Tenho que abrir as pernas para que toque na minha vagina. Confortável para conseguir atender a tudo que vem à cabeça. Os sofás são bons. Os cantos das camas. As almofadas. Não gosto de me tocar a mim própria, não retiro prazer disso. Gosto que alguma coisa me toque enquanto movimento o corpo. Na falta destes objectos, arranjo sempre maneira de substituir por outros: uma pilha de livros, um balcão, etc. Para mim a masturbação é um acto de concentração. Encosto a minha vagina despida, ou não, sinto o ar a passar e começo a imaginar coisas enquanto a esfrego pelos objectos. E isso sim excita-me muito.

Imagino que por trás está outra mulher a lamber-me, e que atrás dela está outra a fazer-lhe o mesmo. Quase que sinto a saliva fresca que sobra para o rabo. Quase que as ouço a ter prazer. Já imaginei, noutra sessão, um homem a penetrar-me ao mesmo tempo que me masturbava. Mas com ele estavam muitos mais à espera da sua vez. Muito excitados serviam-se da minha coninha assim: todos molhados muito rapidamente enfiavam os seus pénis à vez na maior altura da tesão, sem se chegarem a vir. Nunca atribuí caras a estas pessoas, não tem a ver com um desejo pessoal por alguém. É puro sexo e corpo. Somente uma vez, numa altura de vida adolescente, imaginava sempre, enquanto me satisfazia, que lambia a vagina bem aberta de uma amiga. E lambia, lambia, repetia na minha cabeça: deixa-me lamber-te. A saliva crescia na boca. É curioso pensar que quando a encontrava, fosse na noite ou no café, não sentia este tipo de desejo. Mas quando me embebedava era difícil de resistir. Acabei sempre por resistir e ficar com o meu plaisir secrète.
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