30. Crónica
Durante muitos anos julguei que as mulheres eram de natureza romântica, que queriam flores, mimos e muita atenção, que se iludiam com palavras, com demonstrações de afecto e que lhes tocava a sensibilidade de um homem. “As mãos do Rui são ternas, os olhos meigos e a pele serena!”
Achava inclusive que os presentes (jóias, flores, moulinexes, máquinas de café e lap-tops, idas ao cinema, jantares, viagens, idas ao teatro e bilhetes para os white stripes) nos ajudavam a ficar mais vulneráveis, mais dispostas e até mais excitadas.
E achava que isto acontecia com todas as mulheres e que estas, por serem de uma natureza mais sensível, precisavam de muitos rodeios para serem levadas para o quarto e embrulhadas em lençóis. “Nem sei como te agradecer, és muito atencioso, és um querido!”
Sentia-me confiante nos meus pensamentos por achar que seríamos diferentes desses brutamontes que são os homens. Afinal nós mulheres, corámos, choramos, sofremos, gememos, damos gritinhos, damos saltinhos e fazemos xixi sentadinhas, e para mim só fazia sentido que uma mulher fosse muito abraçada antes de lhe enfiarem o dedo. “Ele mexeu-me nos cabelos e massajou-me os pés durante toda a noite”
Culpava a biologia da mulher. Ou culpava a do homem, já nem me lembro bem, mas sei que culpava a Natureza. Porque afinal o prazer estava assegurado num homem e na mulher não. As mulheres procuravam num deserto sem fim um jarro com água. E uma vez por outra, encontravam-no. Cheguei a comentar este meu delírio com algumas amigas próximas e de lhes dizer “meninas, o sexo da mulher está algures no cérebro! Massajem-no bem!”.
Chegou a altura de deixar a Natureza em paz e nos responsabilizar-nos por tudo isto. Hoje era capaz de dizer: “meninas, se têm um corpo explorem-no!”. Se cada mulher explorasse dignamente o seu corpo com toda a atenção que este merece, tal como o homem faz com o seu bergalho, rapidamente perceberiam que basta acertar em cheio (é preciso prática, é certo) e que chegam lá, sem música, sem velas, sem lágrimas, sem calores, sem choro, sem gemido, sem romance, sem nada! (ou com tudo isto, mas sem ser realmente necessário!). O que sobra então? O mais importante, uma partilha sem mais (+) nem menos (-), uma partilha de igualdades (=) em que cada um procura e consegue o que deseja.
Penso que está na altura de retirarmos dos ombros o peso do que um homem “tem de ser” e do que a mulher “deve ser”, os papéis de cada um na sociedade em que vivemos podem mudar se quisermos que isso aconteça. Um bom começo é incentivar e permitir que mude a cultura (e a educação) que nos pertence.
As fantasias, essas linhas escritas ou essas imagens, fazem parte dessa mesma cultura, que nos servem a ambos, homens e mulheres, acima de tudo para nos educar a conhecer-nos melhor e ajudar-nos a explorar a nossa imaginação sexual e expandi-la. A constituição de um bom reportório de fantasias (ou crónicas, como este) serve para cruzarmos experiências e projecções que só nos podem enriquecer. Novas fantasias, palavras e imagens, podem mudar-nos!
Não recuso que nós, mulheres, temos uma sensibilidade própria (e uma sexualidade), mas essa não é menos em nada em comparação com outra qualquer! E conquistar um campo, uma autonomia, uma expressão própria da nossa sexualidade torna-nos mais fortes, logo menos vulneráveis, menos devedoras e submissas da sexualidade (a masculina) dominante.
No final, podemos sempre ir para casa enfiarmo-nos numa cama de cetim rosa e receber flores e encher-nos de bugigangas horrendas e bombons de licor oferecidos pelos companheiros, mas nunca mais vamos acreditar que somos umas sentimentais que não vão numa aventura de sexo fácil - puramente física - da noite para o dia, que não fazem uso do vibrador e que não “batem uma” logo ao acordar, ou ainda alguém está convencido que entre amor e sexo não há diferenças?
Poderei parecer um pouco fria (até ingénua) nas minhas considerações relativas à sexualidade, mas honestamente, é mesmo necessário ser-se prático nestas coisas. Sou uma romântica consciente, que escreve fantasias mas que sabe que as ilusões da treta não nos levam a lado nenhum. É inacreditável o que se lê nas revistas para mulheres. Ensinam-nos a dar prazer a um homem em formato de teste (“responda, marque os ponto e conheça a sua habilidade para fazer o seu companheiro feliz!”) ou em crónicas mal intencionadas que ensinam tudo menos sexo (e muitas vezes pouco seguro!), que roçam o assunto da sedução e a preparar banhos quentes e perfumados, mas que deixam a questão central totalmente de parte.
No final é este título na capa que vende a revista e é isto que se vai lendo nos comboios em viagens de longa duração. Mas o que acontece de facto – pela minha experiência e pela partilha de informação com conhecidos e amigos que trabalham nesta área ao nível da educação e da investigação – os rapazes (os mais jovens principalmente que são mais ousados) não perdem uma oportunidade para perguntar o que faz uma mulher ter prazer! Ora bem, andamo-nos a iludir uns aos outros e a baralhar esta história toda.
Por vezes penso se os papéis que nos estão reservados fazem parte de uma fantasia de alguém posta em prática! Pode parecer descabido, mas porque razão ainda assumimos características ou determinados traços quando já todos sabemos que este teatro não faz sentido.
Para terminar, é cansativo falarmos numa sexualidade em que os protagonistas são a mamã e o papá, este e aquela, e esta parelha ser ainda objecto de análise, mas se o é, é porque ainda é neste modelo que vivemos e nos orientamos. De facto existem dois sexos dominantes, mas na sua função e utilização prática, mesmo simbólica, podem ser invertidos, trocados, acrescentados, manipulados e até colados.
As fantasias (no formato que se desejar) permitem que a procura da sexualidade de cada um – as suas nuances, os seus limites, a exploração dos seus segredos e desejos mais ocultos - seja uma experiência em si bastante satisfatória de auto-conhecimento e de crescimento individual. Isto porque, antes de sermos dois (3, 4, 5...), somos um!
INÍCIO DA SEGUNDA TEMPORADA EM BREVE!