Monday, April 14, 2008






















Ninguém gostava de nós. Vivíamos numa parte menos arejada da cidade, sem parques nem jardins nem roupas de marca reluzentes. As crianças, era normal que andassem à porrada, e que aprendessem a defender-se sozinhas antes de perderem um olho, de partirem um braço, ou ficarem sem dentes.
A Maria era mais uma das putas de rua com quem cresci a desdenhar do amor. Que só arranjava problemas, filhos incertos e desprevenidos, doenças possessas e ataduras diversas as quais nenhum ser humano precisa. O amor dava dores de cabeça e amarguras, tudo sem qualquer sentido, tudo sem qualquer razão.
Com a Maria, iniciei-me na partilha de cortes escondidos das finas lâminas que penetrava na pele dos braços e das pernas, quando me sentava de cócoras encostada ao radiador no desalento das noites frias. Em abandono, entregava-me ao frio cortante da lâmina, primeiro entre os dedos, depois fixando-me nos pequenos brotes de sangue que surgiam aliviados por entre os finos poros da minha pele. Estranho prazer, não o da dor, mas do alívio por me ver viva naquele sangue que surgia, do controlo que eu impunha; da profundidade na forma, de metodologia rigorosa, eficaz.
Recordo ser muita nova e desejar o mesmo automatismo e descanso aliviado na procura do prazer carnal. Uma repetição constante que me levasse à tona da água, com garantia de sucesso. Nos momentos de desalento era apenas isso que eu queria, que a acção continuada no ritmo firme do meu braço me garantisse um alívio resplandescente e cristalino como o dos cortes. Da mesma forma, acarretava uma sensação de culpa – qual a mulher em criança que nunca se sentiu culpada por se masturbar?
As linhas que os separam não são assim tão diferentes. Há sempre uma metodologia preferida; uma técnica. Ambos vão num crescendo rítmico até eclodirem no alívio final. Há um sensação de conforto, de plenitude. Temporariamente, está tudo bem e nem se pensa em mais nada. O cérebro como que pára, de pensar, de sentir. Tudo é ultrapassado por uma mini-caravana de contentamento.
Para além do mais, as cicatrizes são bonitas. Uma longa lista de elementos visuais que nos recordam esses momentos de prazer e auto-controlo, uma pequena parte da nossa história pessoal, espalhada pelos braços e pernas. A visão carinhosa dessas marcas quase apaga o sentimento de culpa nelas inscrito. Por momentos, é possível vê-las como um pequeno conjunto de monumentos, troféus, da nossa capacidade de controlar uma situação, ultrapassá-la, e do dignificante prazer vencedor que isso suscita.
Como seria bom ter assim uma pequena listagem visual, que nos acompanhasse sempre, de todos os bons e melhores orgasmos que tivémos; e como também nos arrepiaríamos, ao passar com o dedo sobre essas marcas, electrizados com as memórias desses sublimes momentos.

Monday, December 31, 2007



33. Crónica

É a noite antes da passagem de ano. Toca o telefone, é o Jean que me convida para jantar com as suas colegas, com as quais partilha o espaço da casa e a sua gestão. Funcionam como uma família desde que se conheceram - uma rapaz e um casal lésbico. Tratam-se muito bem e suportam-se como irmãos. Eu só apareço de vez em quando e nunca permaneço por muito tempo. Com elas relaciono-me com distância, já com ele tenho mais proximidade. Admiro-os aos três, pelo que são e pelas suas opções. Sãos excepcionais, sem dúvida.

Apareci para jantar: lasanha e caldo de legumes. O jantar era modesto mas muito agradável. Éramos sete no total. Estavam lá cinco lésbicas, Jean e eu. Apenas duas das lésbicas assumiam-se também como bissexuais: Dimo e Jennie. Terminamos o jantar com chocolates e licores finos. Jennie era a mais bonita porque tinha uma expressão infantil, totalmente inocente, o que era contrariada pelos seus actos – cada palavra podia ser um convite. Jennie foi a correr para a casa de banho atender o telefone quando este tocou. Quando regressou à sala vinha exausta. “Desculpem, acabei de fazer amor com a minha namorada!”, disse corada. A figura de Jennie despertava a atenção de todos, olhavamos para ela quando sorria, quando se concentrava em dizer qualquer coisa séria, quando provocava alguém, quando agredia ou quando se tocava…Eu estava alegremente entretida com Jennie mais que com qualquer outra pessoa naquela sala quando inesperadamente sinto-me a ser seduzida por uma das lésbicas da casa que se sentara mesmo ao meu lado. Éramos amigas, fazia meses, por isso tentei brincar com a situação, até Jennie ter interrompido – “vê lá se me fazes perder a aposta!”. Com um pedido de esclarecimento, fiquei a par do jogo, Jennie apostara alguns euros em como eu ia para o quarto com quem fosse capaz de me seduzir. Tomei como um desafio à minha sexualidade. O que me pareceu óptimo. Propus então o seguinte para surpresa de todos – “Se me pagarem, faço tudo, não precisam de apostar!”.

Não pretendia ser difícil, explorar os outros ou até fazer-me explorada, mas atrevi-me a dar o meu corpo a quem quisesse por modestas quantias de dinheiro. Desde que não me tirassem a roupa, podiam-me tocar totalmente. Se me excitassem o suficiente pararia a contagem do dinheiro e voluntariamente me propunha para uma das camas. O jogo perdeu o interesse na terceira tentativa, o que me fez sentir frustrada e contrariada. Bebi um pouco de licor e propus um novo jogo, uma oportunidade para ganhar mais e perder tudo. “Faço uma Lap dance por cinco euros a quem quiser”. Nunca tinha feito uma, não sabia sequer os movimentos e iria dançar desequilibrada devido aos tacões das botas. Ofereceram a primeira à minha primeira sedutora, pagaram por ela. Dei o meu melhor e fiquei a pingar de suor. Voltei a dançar para outra amiga. Desta vez correu melhor. Eu estava quente e exausta mas nem um pouco motivada a grandes partilhas. Sentei-me um pouco e olhei para Jean. Éramos amigos e talvez soubesse um pouco dele, mas não sabia o suficiente para adivinhar a sua reacção. Tinha-me convidado para um jantar e o jantar, por minha culpa tinha-se transformado nisto. Estaria ele chateado, aborrecido? Dei-lhe cinco minutos de atenção, olhei-o para analisar o que pensava e descobri que pensava no mesmo que eu – Jennie. Peguei em parte do dinheiro que ganhara e coloquei-o no centro da mesa dos licores, acenei a Jennie e disse-lhe que dançasse para mim.

Não era minimamente justo adivinhar os pensamentos dos outros e trai-los, mas foi exactamente isso que eu fiz. Entre conversas cruzadas, a proposta na mesa era que eu, desta vez, me despisse. Despir-me-ia parcialmente se Jennie o fizesse também. Jennie não tem escolha, porque não deseja ter escolha, deseja-me igualmente tal como eu a ela. Jennie tem calças de malha de andar por casa e uma t-shirt larga. Logo após começar a música ela descobre os seios. Senta-se no meu colo, de costas para mim e coloca as mãos nos meus joelhos. Está suspensa no ar e levanta e baixa o rabo, que se situa centralmente na minha zona pélvica, com movimentos lentos e ritmados. Ao mesmo tempo roda a cabeça e com os ombros arqueados para a frente comprime os seios para os tornar mais belos. Depois levanta-se e vira-se de frente para mim, coloca os joelhos na base do sofá onde estou sentada e coloca toda a zona pélvica perto da minha boca, depois desce e esfrega os seios, à vez, na minha cara. A lentidão com que dançava, a leveza do seu corpo e o ritmo que impunha a qualquer pequeno gesto, fizeram dela a melhor dançarina até então.

Jean, em resposta a isto, em resposta à minha traição, tira da carteira dinheiro e oferece-mo. A oferta era uma dança para Jennie. A última dança e eu já não queria mais. Eu cheirava a suor e estava vencida pela facilidade de Jennie. Afinal sentia-me praticamente derrotada por não ter sentido qualquer excitação.

Jean e Jennie mereciam a última dança. Avancei para Jennie e já só pensava como até podia ser bom se fizéssemos amor. Comecei a acreditar nisso com tanta certeza que mal me dei conta que Jennie me tocava toda. Empurrava as costuras das calças de ganga na minha vagina, subira para acariciar com violência o clítoris e quando podia puxava o gancho das calças no rabo e com o dedo pressionava o ânus. As mãos de Jennie avançavam desde as minhas botas até ao meu pescoço, cobrindo-me totalmente de carícias. Não valia criar regras para aquele momento, não valia dizer que não se pode tocar...deixei de dançar e beijei prolongadamente. Há muito que já ninguém estava na sala. Jennie ganhou a aposta.

32. Crónica

Estou aqui à espera que o meu marido morra. Aguardo nesta sala desoladora que alguém me anuncie o presente da sua morte cerebral que colocará um ponto final ao meu sofrimento.
Casámos-nos demasiado jovens para saber o que é o amor, aquele resquício seco que se prolonga para além de um enamoramento vertiginoso e atroz. Pareceu-nos que estarmos despidos, abraçados e embevecidos era efectivamente "fazer amor", e após o termos feito muitas vezes, achámos que era altura de casar e de prometer fazê-lo para sempre. Juntámos os trapos, fizémos um filho, vivemos juntos anos pardacentos (nem sei se foram um ou dez mil); estivémos fisicamente juntos em alguns dos momentos mais problemáticos da vida, morte de amigos, doença, falta de dinheiro. Vivíamos juntos debaixo do mesmo tecto, mas menos juntos do que parece: o meu futuro falecido tinha um flirt com a garrafa. Inicialmente não liguei muito, homens, pinga, todos sabemos que combina. Ele, tocado, premiava o meu desalento com o desabafo enfim dos seus problemas pessoais, mais a dificuldade em lidar com eles: a falta de trabalho fixo, o desencanto com a terra, a tristeza de se sentir preso a uma vida que sentia não ter escolhido na plenitude das suas capacidades. Eu refugiei-me nas promessas do passado e nos projectos que tínhamos para o futuro (ele esquecera-se de tudo). E, mais que tudo, refugiei-me no que tinha entre as pernas. Aguentei a pressão com massagens dos dedos, conseguindo suportar a desilusão dos seus múltiplos egoísmos com frequentes idas à casa de banho e desculpas diversas para ficar mais tempo na cama. Comecei também a ter sonhos involuntários, seres esbeltos e simpáticos que me perseguiam e me ofereciam prazer quando eu mais precisava dele, que é como quem diz nos momentos em que meu marido me virava literalmente as costas na cama, num amuo constante e ineficaz contra as coisas do mundo. As memórias dessas carícias sonhadas assolapavam-me com frequência diariamente, gestos suaves que me subiam pelas coxas, me aqueciam os lábios e traziam arrepios pelas costas. Agarrei-me ao sentimento ambivalente de viver com um homem e sentir prazer com muitos outros, sonhados ou inexistentes não interessa, eram outros, outros que não ele!
Foi assim aos berros que ele me acordou a meio de uma noite alcoolizado. Que me ouvira murmurar e suspirar excitada, que eu era uma porca devassa que só pensava no meu próprio prazer. Recordo essa noite como a primeira em que me bateu, enfiou-me um par de estalos e prometeu que da próxima seria pior. Sentia-me culpada, ao fim ao cabo era a ele que tinha prometido tudo, mas não conseguia impedir que aqueles anjos demoníacos entrassem nos meus sonhos húmidos. Tentei resistir, mas mantive a minha actividade recôndita na casa de banho. Apesar de me sentir uma pecadora infiel, aliviava-me o stress, um pequeno oásis de bem-estar que, para além do mais, descobri que reduzia a probabilidade das incursões nocturnas dos demónios sexuais. Sentia que a vida e o meu corpo iam murchando como velhas flores, e que aqueles exercícios corporais eram a única coisa que me dava alento e me prendia à vida tal como ela se soletra e eu a imaginara na minha juventude, repleta de faunos e sereias vivaças, alegres, numa plenitude de regojizo transcendental.
O meu marido via-me a sobreviver e a aguentar-me a alguma tábua de salvação que ele desconhecia; pensava que a força residia em algum amante real, que não fosse eu própria, e não descansou enquanto não inquiriu toda a vizinhança, o padeiro e a senhora do quiosque, para tentar saber com quem eu me enrolava. Teceu a ideia de uma intriga geral, que toda a gente conspirava nas suas costas, e que seria então com toda a vizinhança, mais o padeiro e quiçá sob o olhar benevolente da senhora do quiosque, que eu me enrolava. Numa tarde na tasca, envolveu-se numa briga com o cozinheiro, que lhe deu um tiro. Seguiu-se a balbúrdia que imaginam, e aqui estou eu, nas emergências, à espera da confirmação da morte que me permite continuar com a vida.

Sunday, November 25, 2007


A publicação Wanda, a primeira da Braço de Ferro – editora de Arte e Design, está disponível agora na Matéria Prima do Porto e em breve na de Lisboa.

Para adquirir qualquer uma das séries da Wanda, aceitamos pedidos de envio para dentro e fora do país.

Para os interessados em colaborar connosco na expansão nacional e internacional da Braço de Ferro, podemos acordar uma parceria para a revenda da Wanda.

Em breve teremos notícias sobre os novos lançamentos.

Thursday, November 15, 2007


31. Crónica

Há quem seja da opinião que sexo não tem tempo e por isso, também não tem história, no sentido narrativo ou do enredo. Não há nada para contar. Ao contrário do amor que pode dar para longas horas de conversas telefónicas, para escrever livros, realizar filmes, e para aborrecer os amigos de morte. Daí a famosa distinção entre o amante e o "marido" que ouvi directamente de uma colega de trabalho: "com o amante não há conversa!". Por isso, quando o sexo se vai, numa relação que tem como base o sexo, não há nada que fique. Ou há? Parece que fica qualquer coisa na memória, talvez aquela recordação muito fraca que nos volta a excitar e a recuperar a vontade de nos estendermos na cama com aquela pessoa. Se não voltamos muitas vezes é porque a razão impera sobre a memória. Mas não há nada como o amor que nos marca, coração e alma, que nos tira a consciência, para nos perdermos numa história que vai do amor ao ódio e desprezo. Vá lá, no sexo não há ódio... Como é utilitário, "serve para" e não há sentimentos bons nem maus (sensações há e muitas!), só se for depois quando se mescla com amor. Nesta confusão de pensamentos e tentativas de estabelecer categorias, começa a minha crónica, como sei que não sou dada às ficções (até assino com o nome próprio e dou a cara pelas boas causas), resumo a minha confissão a isto: Num fim de semana, eu e o meu amante, fizemos sexo umas dez vezes, em dois ou três sítios diferentes. No Sábado saímos com os meus amigos e bebemos uma cerveja rápida a caminho de casa. Tentamos acordar cedo e passear Domingo de manhã por um jardim público. Nessa altura falamos de coisas simples, das plantas, do pólen das flores, do cocó dos cães, da semana que tínhamos pela frente. Despedimo-nos à pressa com uma foda em minha casa e depois ficamos ali a mordiscar-nos e a acariciar-nos na cama até tocar o alarme. Ficamos assim durante muito tempo até que eu quase, mas quase, lhe disse para ficar. Suspeitei que era amor e olhei para o relógio. Calculo que foi amor, mas então o amor também não tem tempo, porque ficamos ali horas ao som de sucessivos alarmes.

Thursday, October 11, 2007





Lançamento da WANDA------Ed.Braço de Ferro
19.10.07-----22h
Gal. Quadrado Azul
Rua Miguel Bombarda

http://braco-de-ferro.blogspot.com/

Tuesday, July 10, 2007

30. Crónica

Durante muitos anos julguei que as mulheres eram de natureza romântica, que queriam flores, mimos e muita atenção, que se iludiam com palavras, com demonstrações de afecto e que lhes tocava a sensibilidade de um homem. “As mãos do Rui são ternas, os olhos meigos e a pele serena!”

Achava inclusive que os presentes (jóias, flores, moulinexes, máquinas de café e lap-tops, idas ao cinema, jantares, viagens, idas ao teatro e bilhetes para os white stripes) nos ajudavam a ficar mais vulneráveis, mais dispostas e até mais excitadas.
E achava que isto acontecia com todas as mulheres e que estas, por serem de uma natureza mais sensível, precisavam de muitos rodeios para serem levadas para o quarto e embrulhadas em lençóis. “Nem sei como te agradecer, és muito atencioso, és um querido!”

Sentia-me confiante nos meus pensamentos por achar que seríamos diferentes desses brutamontes que são os homens. Afinal nós mulheres, corámos, choramos, sofremos, gememos, damos gritinhos, damos saltinhos e fazemos xixi sentadinhas, e para mim só fazia sentido que uma mulher fosse muito abraçada antes de lhe enfiarem o dedo. “Ele mexeu-me nos cabelos e massajou-me os pés durante toda a noite”

Culpava a biologia da mulher. Ou culpava a do homem, já nem me lembro bem, mas sei que culpava a Natureza. Porque afinal o prazer estava assegurado num homem e na mulher não. As mulheres procuravam num deserto sem fim um jarro com água. E uma vez por outra, encontravam-no. Cheguei a comentar este meu delírio com algumas amigas próximas e de lhes dizer “meninas, o sexo da mulher está algures no cérebro! Massajem-no bem!”.

Chegou a altura de deixar a Natureza em paz e nos responsabilizar-nos por tudo isto. Hoje era capaz de dizer: “meninas, se têm um corpo explorem-no!”. Se cada mulher explorasse dignamente o seu corpo com toda a atenção que este merece, tal como o homem faz com o seu bergalho, rapidamente perceberiam que basta acertar em cheio (é preciso prática, é certo) e que chegam lá, sem música, sem velas, sem lágrimas, sem calores, sem choro, sem gemido, sem romance, sem nada! (ou com tudo isto, mas sem ser realmente necessário!). O que sobra então? O mais importante, uma partilha sem mais (+) nem menos (-), uma partilha de igualdades (=) em que cada um procura e consegue o que deseja.

Penso que está na altura de retirarmos dos ombros o peso do que um homem “tem de ser” e do que a mulher “deve ser”, os papéis de cada um na sociedade em que vivemos podem mudar se quisermos que isso aconteça. Um bom começo é incentivar e permitir que mude a cultura (e a educação) que nos pertence.

As fantasias, essas linhas escritas ou essas imagens, fazem parte dessa mesma cultura, que nos servem a ambos, homens e mulheres, acima de tudo para nos educar a conhecer-nos melhor e ajudar-nos a explorar a nossa imaginação sexual e expandi-la. A constituição de um bom reportório de fantasias (ou crónicas, como este) serve para cruzarmos experiências e projecções que só nos podem enriquecer. Novas fantasias, palavras e imagens, podem mudar-nos!

Não recuso que nós, mulheres, temos uma sensibilidade própria (e uma sexualidade), mas essa não é menos em nada em comparação com outra qualquer! E conquistar um campo, uma autonomia, uma expressão própria da nossa sexualidade torna-nos mais fortes, logo menos vulneráveis, menos devedoras e submissas da sexualidade (a masculina) dominante.

No final, podemos sempre ir para casa enfiarmo-nos numa cama de cetim rosa e receber flores e encher-nos de bugigangas horrendas e bombons de licor oferecidos pelos companheiros, mas nunca mais vamos acreditar que somos umas sentimentais que não vão numa aventura de sexo fácil - puramente física - da noite para o dia, que não fazem uso do vibrador e que não “batem uma” logo ao acordar, ou ainda alguém está convencido que entre amor e sexo não há diferenças?


Poderei parecer um pouco fria (até ingénua) nas minhas considerações relativas à sexualidade, mas honestamente, é mesmo necessário ser-se prático nestas coisas. Sou uma romântica consciente, que escreve fantasias mas que sabe que as ilusões da treta não nos levam a lado nenhum. É inacreditável o que se lê nas revistas para mulheres. Ensinam-nos a dar prazer a um homem em formato de teste (“responda, marque os ponto e conheça a sua habilidade para fazer o seu companheiro feliz!”) ou em crónicas mal intencionadas que ensinam tudo menos sexo (e muitas vezes pouco seguro!), que roçam o assunto da sedução e a preparar banhos quentes e perfumados, mas que deixam a questão central totalmente de parte.

No final é este título na capa que vende a revista e é isto que se vai lendo nos comboios em viagens de longa duração. Mas o que acontece de facto – pela minha experiência e pela partilha de informação com conhecidos e amigos que trabalham nesta área ao nível da educação e da investigação – os rapazes (os mais jovens principalmente que são mais ousados) não perdem uma oportunidade para perguntar o que faz uma mulher ter prazer! Ora bem, andamo-nos a iludir uns aos outros e a baralhar esta história toda.

Por vezes penso se os papéis que nos estão reservados fazem parte de uma fantasia de alguém posta em prática! Pode parecer descabido, mas porque razão ainda assumimos características ou determinados traços quando já todos sabemos que este teatro não faz sentido.

Para terminar, é cansativo falarmos numa sexualidade em que os protagonistas são a mamã e o papá, este e aquela, e esta parelha ser ainda objecto de análise, mas se o é, é porque ainda é neste modelo que vivemos e nos orientamos. De facto existem dois sexos dominantes, mas na sua função e utilização prática, mesmo simbólica, podem ser invertidos, trocados, acrescentados, manipulados e até colados.

As fantasias (no formato que se desejar) permitem que a procura da sexualidade de cada um – as suas nuances, os seus limites, a exploração dos seus segredos e desejos mais ocultos - seja uma experiência em si bastante satisfatória de auto-conhecimento e de crescimento individual. Isto porque, antes de sermos dois (3, 4, 5...), somos um!

INÍCIO DA SEGUNDA TEMPORADA EM BREVE!

Sunday, July 01, 2007


29. Crónica

Não havia nada que ela pudesse fazer que parecesse certo, e sem intenção de nada ela tomou um caminho que a outros lhes pareceu errado. Havia uma confusão de coisas que pareciam estar mal, ou não pareceriam nada se não se desse o caso de serem vistas à luz de uma auto-análise profunda que demasiadas vezes tomava um contorno cruel; sem, contudo, se poder algum dia confirmar a veracidade dos factos pensados, perante a ausência de medidas fixas e métodos científicos apropriados.

Fria e viva precisou procurar algo que lhe aquecesse a alma. Fria porque analista, e com receio que a ebulição de sentimentos lhe saltasse pelos poros, conduziu-os pelo meio das pernas. Parecia talvez mais apropriado, a emoção ser canalizada para aí, para esse sítio onde se pode livremente gemer, gritar, arranhar, dizer obscenidades, agir de forma estranha naquilo que parece uma libertação das normas comportamentais vigentes.

Sobranceira e com vontade de transgredir, encaminhou-se hipnotizada para a loja, onde entre a vergonha e o desencontro com mais seis amigas escolheram toda uma miríade de objectos de prazer. A Casa de Eros vendia possibilidades de sexo, e era isso que elas procuravam. Entre risinhos e vergonhas que já não cabem no corpo de uma mulher, saíram da loja e carregaram o carro em direcção ao campo.

Mais tarde contou-me como foi. Era uma mansão em ruínas, restaurada, ocupada e limpa. Fizeram um pic-nic com muita gente que se prolongou pela tarde, e depois pela noite, onde saltitaram pelos bosques como faunos sem pudor nem pecado. Brincaram às identidades, aos polícias e ladrões, com algemas e pistolas de água. Era simples e belo como uma brincadeira infantil, apesar de quando éramos pequenos compreendermos o princípio do prazer, mas ninguém nos ter falado do sexo propriamente dito. Havia tecidos velados, almofadas de seda que lhes acariciavam as peles em todas as direcções e lhes aliviavam o cansaço da semana de trabalho, das obrigações sociais, um escape enfim daquilo que se sentiam frequentemente obrigadas a ser. Numa reinvenção deliciada, libertaram-se para aquilo que queriam, mas normalmente não podiam. Saltitando por fora da norma, ou daquilo que lhes desenhavam como obrigatoriedade; trocaram também estórias e confidências, desejos e levezas próprias do exercício das liberdades quando bem usufruídas. Sem explicações ou juízos de valor, despiram-se daquilo que eram e vestiram a pele do que queriam ser, com rendas e vendas sobre a pele arrepiada, deixando-se estar sem vontade de ir a mais lado nenhum.
Ao despertar, fizeram um bolo de chocolate e comeram-no todo, num acto de cumplicidade íntima despojado de mistério. E passaram mais outro dia enroladas na erva, ninfas pálidas e desarranjadas a banharem-se na fonte, a nadarem desprevenidamente no lago, a tomarem banhos de sol entre dildos e lubrificantes, a colherem amoras e a esmagá-las nas peles outrora estranhas, agora demasiado familiares para se poderem imaginar à distância.

Quando ela me contou esta estória, também eu fiquei com vontade de comer amoras e esmagá-las, de ter sexo como se não houvesse amanhã, de trepar às árvores e delas não descer sem me afoguear de bochechas coradas e ar de renascimento. Assim, calcei as meias de liga, vesti a gabardina, e sem mais que botas de cabedal, um vibrador, óleo de massagem e lingerie comestível encaminhei-me para tua casa às 4 da manhã de uma sexta-feira santa, decidida a partilhar desejos e fantasias pela noite dentro.
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