Tuesday, December 12, 2006


14. Crónica

Tinha escrito uma outra crónica, mas decidi não a enviar porque toda a gente adivinharia facilmente quem sou; pelo que decidi contar uma outra pequena estória, a qual permite que eu seja identificada por apenas duas pessoas.

Reconheci-o de noite e eu estava diferente por quente. Bebemos vinho sem falar e com a cumplicidade que não existe entre nós começou a tocar-me entre o pé e o tornozelo. Primeiro pensei que tivesse sido um toque ocasional, mas aquele pé continuou a sua tortura rasteira, insistente. Os pés têm uma estranha forma de comunicar que escapa à desonestidade do resto do corpo. Os pés dizem o que querem como sentem e lhes apetece, um toque sensual prolongado e premeditado e tão óbvio que se tornava quase inocente. Um pé que continuou o seu traço até ao meu arrepio na espinha. É impossível ser indiferente a um pé, pelo que lhe respondi ao mesmo nível, com menos.
Havia montes de pedras da calçada de olhos postos em nós enquanto gente à nossa volta nos ignorava. Ou pelo menos assim pensei, se não olhar para eles, não me podem ver. E não viram.
Esgueirámo-nos entre as riscas de uma porta para o carro e seguimos para um campo ao pé da praia. Estávamos cansados de sexo, não nos apetecia. Não aquele sexo de sempre, o exorbitante do costume. Não que não seja bom, mas queríamos diferente. Não nos apetecia ver estrelas, a areia da praia estava fria, já tive muitos orgasmos a pensar em ti e tu certamente também, por isso encolhemos os braços e continuámos a beber.

Mesmo assim, despimos-nos sem mentira. Apetecia-nos contemplar. Ele não era nem bonito nem feio, mas alguma incaracterística o tornava bonito. E não era da brisa das dunas, era uma beleza que já tinha visto e ficado por decidida. Contrariando o que tinha pensado antes, até gostava dele. Pensava nisso enquanto estávamos os dois nús de noite a fumar um cigarro e a olhar o mar. Não havia mais nada a fazer, o que não era aborrecido, umas luzes ao longe de barcos e o Cesariny que acabou por morrer e um monte de roupa à nossa esquerda. Uns pés a chapinharem na água sem nenhuma pressa e pele de galinha no peito. Apeteceu-me um toque, e toquei-me. Suponho que no início ele não deu conta e eu talvez não tivesse feito com intenção, mas quando ia tirar a mão ele pediu-me para continuar. Continuava a não me apetecer sexo, mas gostava de sentir a minha mão e os olhos dele deliciados no meu movimento lento. Brincava na parte de dentro das coxas, onde a pele é mais macia, e um pouco mais dentro, muito devagar e sem objectivo e quase como se não estivesse ali. Inclinei- me um pouco para ti, no nosso segundo beijo da noite, quente de desejo mas com poucas expectativas. Era reconfortante estar com um corpo nú novo sem ter a sensação de nos apetecer ter sexo e orgasmos; logo se via.
Deliniei as minhas próprias linhas a pensar em ti. Segui os meus contornos como quando sozinha, agora com os teus olhos a seguirem a minha mão e a tua boca eventualmente na minha, ou na curva do meu ombro ou escapando-se até ao colar. Saltei da minha cintura para o teu peito, os meus dedos húmidos passaram-te pelos mamilos, pelo interior dos braços que tanto gosto, descendo como um gato pelas tuas costelas e fazendo remoinhos na maciez dos pêlos do teu baixo ventre. As tuas coxas também eram macias, mais tensas que as minhas, mais abandonado ao meu toque que te sentiu erecto e te beijou no baixo ventre, enquanto encaixámos cabeças e na comichão do cabelo da cara resolvemos adormecer por mais nada. Continuei a tocar-te muito levemente e sem compromisso, aquele toque novo de quando se sente uma pessoa pela primeira vez, a firmeza da pele que é diferente, e quem sente são os dedos que têm outra leveza textura velocidade e percurso, enquanto sentia a tua pele abandonada a excessos excitados e adormecíamos para sonhos carnais concretizados talvez na semana seguinte.
Foi o melhor sexo que não tive.

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Perfeito.

1:58 PM  

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