Sunday, March 25, 2007


26. Crónica

Mais um fim de semana fora!
E finalmente o esperado telefonema.
- Podes cá vir dar de comer à Rita? Deixo-te a chave no café da Rua
Direita. Diz que não tem tempo e até Segunda.

Sábado – Uma caixa de wiskas de figado. Cor estranha. A Rita é uma
gata carente, não come sem antes se roçar para trás e para diante nas
minhas pernas, sacudindo o rabo. Acaricio-a. Dou-lhe tempo. Come.

Abro a porta para o quintal, a ameixoeira nova que não ajudei a
plantar já está florida. O sol aquece, dispo o casaco.
Entro e percorro as divisões desconhecidas: a casa de banho, um
toalhão ainda húmido do ultimo banho, cheiro-o. A Gillette, resquícios
de pelos, outros mais longos no sabonete, uma meia perdida. A cama,
desfeita, duas almofadas. Galeano na cabeceira, lenços, um crachá
(vai-lhe fazer falta, penso), um lápis, o despertador marca 7:17,
que estranha hora para acordar, sorrio, gosto de capicuas, ele também.

A Gata descobre-me, mia. Pego-lhe pela barriga, chego o pelo ao nariz,
é macia. Levo-a comigo para o sol.

Domingo – chego tarde, demorei-me na Vila e perdi a camioneta. A Rita
está mais irrequieta, mia e roça-se. Wiskas de fígado outra vez, pobre
animal. Demorei muito, pois não se demora muito comigo e vai comer.
Limpo a caixa da areia.

Percorro a estante dos livros, os cd’s, descubro fotos. Fotos de
quando eram dois. Suspiro. Hoje as coisas cheiram-me mais a ele. O
toalhão continua húmido (devia te-lo posto a secar... merda, pareço
mãe dele, quero tratar dele, abraça-lo e dizer-lhe que vai correr bem,
fazê-lo acreditar...) deixo-o no mesmo sítio. Entro no quarto, não
acendo a luz. Descalço-me, tiro a camisola e os jeans e deito-me
tentando encaixar no lugar que deixou vazio.

A Rita senta-se a meus pés na cama lavando-se e ronronando. O som
embala-me. Adormeço, estremeço, os meus membros estão contraídos,
devo ter frio. Tapo-me. Não, alguma coisa quente deita-se a meu lado.
Abraça-me. O cheiro atinge-me primeiro que qualquer outra coisa. É
ele. Uma reacção violenta que injecta sangue em todos os vaso
capilares, faz-me arrepiar. Trocamos palavras banais enquanto me viro
– joelhos que se tocam ao de leve, mãos, braços. Avisa-me que pode
involuntáriamente abraçar-me enquanto dorme. Incrédula perante o som
do pensamento: Se me abraçares preferia que fosse voluntário.

Daí ao beijo foi um inspirar. Primeiro sôfregos, tentamos
desembaraçarmo-nos da roupa, da nossa e da cama. Sufocados,
permanecemos um minuto abraçados, bocas coladas, sinto a pressão do
seu sexo rijo no meu ventre. De seguida as mãos hábeis com que até
então apenas sonhava, percorreram concavidades e curvas,
entrelaçaram-se no cabelo, demoram-se nos meus seios, beberam de
dentro de mim e friccionaram até me fazer implorar para o ter. Sempre
em silêncio e com movimentos seguros, posicionou-me e lentamente
começou o baloiço, umas vezes suave outras vezes forte e profundo,
como se me quisesse atravessar. Vejo-lhe o rosto deformar-se e é como
se me abandonasse a mim mesma, deixo o corpo para trás, sei como se
repete este momento, nunca foi diferente. Apercebe-se, ri e fala-me,
quebra-se o feitiço, reajo, rodamos várias vezes, agora em harmonia,
gememos como quem conversa, num misto de compreensão e
direcionamento. Não conheço este fim, mas já não importa como acaba

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