Friday, January 19, 2007


20. Crónica

A administradora.
Dá-me vontade de rir quando apanho mais um grupinho de rapariguinhas com fome atrás de uma secretária a murmurarem histórias sobre mim. Algumas são verdade outras nem por isso, que importa se são inventadas e se são boatos contados e re-contados vezes sem conta. À medida que vão passando de boca em boca vão diminuindo porque ninguém tem coragem de contar a história tal como aconteceu, nem de lhe ampliar um ponto que seja. Não querem a verdade e então tornam-me vitíma, um cordeiro redentor que lhes vai salvar a vida. Sirvo, sem dúvida, eu e os meus actos, de justificação para todo o mal do mundo. Por tudo isto tenho o valor do ouro usado que veio de um alto pagão.

No tempo em que eu era ingenua deixei-me levar por almoços e jantares de negócios e outros encontros que me pareciam levar-me profissionalmente a algum lado. Mas estes acabavam sempre por se tornarem decepcionantes. Diziam (já perto da sobremesa) que eu era distante e fria. Ou, ainda pior, que eu era dificil. Entendia bem as palavras mas confundiam-me as acções a que se remetiam. Sobre o objectivo dos encontros, nunca este foi alcançado. Eu pensava que estava a trabalhar, os meus acompanhantes, uniam o trabalho a qualquer outra coisa que para mim não era clara. Desta falta de sintonia nada se concretizava, ficava o dito pelo não dito e voltava tudo ao ponto em que estava antes.

Com o tempo fui percebendo o sentido daqueles encontros ajudada por algumas pessoas mais velhas com quem me dava bem. A entendimento disto levou-me a fazer uma análise e a retirar algumas conclusões. Comecei por me perguntar se teria sentido algum desejo por alguma destas pessoas com quem me encontrava. A resposta era na maioria dos casos sim. Eu sentia desejo, uma atracção forte, por este ou aquele homem, mas não por todos. Sabia que o facto de me intimidarem com a sua presença, de depender deles o meu futuro, a concretização das minhas pequenas ambições, me fazia entrar num estado de acelaração ritmica, de subir a um pico de entusiasmo dificil de derrubar. As pessoas realizadas e já com um certo estatuto sempre tiveram este efeito sobre mim. Fazem-me sentir miníma e desprotegida, o que de certa maneira, não me leva a ter sensações negativas, antes pelo contrário, em certos casos permite-me entrar num estado de euforia.

Houve uma altura em que nada acontecia, tinha encontros com menos frequência, no entanto não deixava de pensar no assunto até com alguma paixão. Um dia de manhã recebo um telefonema de um homem com o qual estive várias vezes para discutir projectos e ambições sem sucesso algum. Perguntou-me se poderia vê-lo. Encontramo-nos de manhã cedo um sítio incaracterístico, pediu-me para o acompanhar ao carro. Segui-o e entre sorrisos esboçados e pequenas gargalhadas atrevidas ele propos-me um encontro com um segundo homem que eu conhecia igualmente bem num quarto de hotel. Sem pensar na estranheza da situação, sem pensar em mais nada se não na vontade de estar com este segundo homem, aceitei movida unicamente pelo desejo. Se me perguntarem se esperava conseguir tirar algum tipo de vantagem da situação respondo-vos já que não pensei nisso, mas inconscientemente essa questão podia-me ter servido de estímulo. Que me lembre as situaçãos de poder, sem falar nos papéis estagnados de submissa/dominadora que me aborrecem, sempre me excitaram em oportunidades de relações sexuais (mais ou menos consumidas, mesmo em pequenos flirts ardentes). Retomando à história, fui ter ao hotel completamente anestesiada, de membros dormentes mas a tremer de ansiedade. Cheguei à recepção e perguntei pelo segundo nome da pessoa que eu iria encontrar. O recepcionista deu-me a chave e eu segui. Subi e lembrei-me de ter visto esta cena em vários filmes, os grandes hoteis com escadarias monumentais. Subi e mais tarde bati à porta. Mal entrei baixei de imediato as luzes para não ver a dimensão tão pequena do espaço. Também não o vi a ele. Deitei-me na cama e deixei-me estar. Comecei a ouvir os sons hesitantes dos lençois da cama, como se um animal passasse por cima deles com lentidão. Encontramo-nos aos poucos e devoramo-nos sem medos e sem palavras. Quando caímos para o lado cansados e eu por mim, extremamente feliz pela minha realização no momento, ouço o nosso intermediario a brir a porta. Não fazia diferença nenhuma que ele entrasse, concordei com pequenos sinais que ele se juntasse e sem qualquer violência troquei os braços e o corpo de um pelo do outro. Aconteceu com tamanha suavidade que a felicidade parecia não ter fim. Um dos raros momentos que sabemos o que é isso de facto e com rigor. Antes que nos olhassemos, saí a correr, deixei-os sozinhos, sem planos para os encontrar. Sempre que nos vimos sorriamos e cometiamos os mesmos actos. A partir de então, tornou-se natural unir vários interesses num só almoço, num só jantar, ou num pequeno encontro para café.

Tenho dado nas vistas por chegar tarde da hora de almoço ou por sair mais cedo alegando sintomas de uma indisposição qualquer. Se tenho recebido algum tipo de compensação…bom, pessoalmente sim, as minhas fantasias tornam-se a cada passo realidade e eu descubro-me no corpo de mais um homem totalmente e sem pudor.

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